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Mostrando postagens de 2017

Hora de relaxar

Se a vida é uma escola, o fim do ano é o recreio.

Liberdade

Não há arrebatamento maior que viver uma grande desapaixão.

Sem escolha

Ainda que tudo seja um parto, sigamos firmes e fortes. E fartos.

Simples assim?

Se tudo o que você pensa é triste ou ainda não existe. Se tudo o que há para pensar é na morte da bezerra ou na vida alheia. Se não há multa por velocidade que faça sua cabeça desacelerar. Então, só há uma coisa a fazer. Pare de pensar.

Sina

De dia a gente explode —com tudo e todos. De noite a gente implode —bebendo tudo e comendo a todos.

A mente é uma selva

Os pensamentos, a gente remói feito bicho. Rumina feito vaca. Chia feito ave. Mimimia feito gato. Grita feito arara. E só para, quando ronca feito um porco, que aí a gente tá dormindo.

Exilados no quarto

O mundo em franca decadência E a gente na iminência de morrer De amor

Queda livre

Ana Martins Marques escreveu: “Colecionamos objetos, mas não o espaço entre os objetos / Fotos, mas não o tempo entre as fotos / Discos, mas nunca o pequeno intervalo de silêncio entre duas canções”. E eu tenho a impressão de que a vida é exatamente isso, esse ínterim. É a pausa dos encontros. O repouso (não o sono) entre o fim e o início do expediente. E quando não sabemos o que fazer com essa abertura, o que sentimos é um vazio imenso. Um buraco profundo no estômago. Uma fissura dolorosa no peito. E em vez de olhar pra esse espaço, fechamos os olhos. Aí, feito cegos, buscamos desesperadamente preencher esse vácuo de dor tateando coisas, tateando pessoas, até conseguir apoiar em algo convenientemente confortável. E assim, distraídos de nós mesmos, vamos vivendo.

Borrascas

Me lanço ao mar e danço A passos leves e lentos, ao relento Imersa na imensidão da noite Na imensidão sem fim de mim. 

Batalha

Se acabaram as certezas, é hora de virar a mesa?

Sempre

Na hora dura e fria do dia, são sempre cinco da tarde. (parafraseando o escritor Fitzgerald)

Pra que sofrer?

Esqueci meu coração na sua cama. E você perdeu. Mas que drama! Era só um brinco meu.

Feito Pedro Penseiro

Estar, só na sala de estar. Onde só faço esperar.

Carrilhão

Sempre que as horas parecem se arrastar, lembro de uma antiga vizinha e seu carrilhão. Era uma senhora bem velhinha e solitária. O carrilhão tocava de quinze em quinze minutos, e sempre que tocava, parecia ressoar em seu coração. Sua feição ganhava um ânimo. Era como se o relógio despertasse alguma esperança lá dentro esquecida. Então ela dizia: que bom, já já é hora de dormir.

Dias beges

Não é a rotina. Mas a monotonia. Não são as pessoas. Mas os mesmos jeitos de pensar, fazer, falar. Não é a segunda-feira. Mas o sentido que se perdeu. Não sou eu. Mas os meus pensamentos.

É só pão com presunto e queijo

Mas apresentado como uma bela torta salgada, numa travessa bonita, ganha outro sabor. Sabor de fantasia. Não viaja.

Sem querer querendo

Quando a gente cresce, sem querer a gente esquece que brincar é verbo de infância. Que as pessoas não são bonecos. Que os carros não são de plástico. E seguimos errantes, errando, sempre em busca de algo que, fatalmente, acaba ou perde a graça ou, ainda, não está na mão. Aí, feito criança mimada, emburramos. Feito criança assustada, nos escondemos. Feito criança cansada, choramos. E, de novo, sem querer a gente esquece que tudo é mais leve do que parece.

Questão importantíssima

O alfabeto é um macho alfa com o nome de Beto?

Bilhete

A letra cursiva penteada para o lado, um papel improvisado e pronto: tudo o mais foi revelado.

Miguel

John Coltrane e suas Ballads ecoavam numa noite fria de outono, harmonizados pelo sabor agradável do vinho seco sobre a mesa. O lugar aconchegante, iluminado por algumas poucas luzes, mostrava sua silhueta atenta ao meu lado. Conversávamos em silêncio. A música era nossa mediadora. Mediava o toque das mãos, o contato dos braços e, por fim, o beijo. Me apaixonei por aquelas poucas horas. Por sorte (sua ou minha) estávamos lá.

Senda

A efervescência iluminada da rua. A música boa. A cerveja gelada. O beijo bom. Saio correndo de tudo isso e entro num corredor escuro. Caminho pela estreita passagem sem conseguir enxergar nada. Vou tateando as laterais, eu tenho onde apoiar. Sigo em frente sem saber quanto tempo vou demorar para sair. Isso me deixa um pouco assustada, mas não tenho medo, nem vontade de voltar. Intimamente sei que estou no caminho certo.

Dúvida

Não tenho sombra de dúvida: é a dúvida que assombra.

I'll be seeing you

Em casa, um quadro dela me faz lembrar que há beleza mesmo na dor. Uma vida de sofrimentos acompanhada de um alento: cantar. No fim do túnel ela não viu a luz  --ela  ouviu a luz. Cintilando em formato de notas musicais. Billie Holiday não cantava. Sentia. E assim, só interpretava músicas que fizessem algum sentido em seu coração. I'll be seeing you é a canção de amor mais linda que eu já ouvi na minha vida. Será que ela cantaria tão lindamente se não fosse a dor que ela sentira? Sim, cantaria. Afinal, o que seria do amor sem a dor?

Hospitalidade

Piano e sax ecoando dentro de um apartamento pequeno têm tudo para pedir o acompanhamento de um outro tipo de instrumento: o interfone, com vizinhos enlouquecidos do outro lado. Mas o regimento interno de um condomínio tem suas exceções, e, nesse caso, sua licença poética. É que estamos falando de Duke Ellington & John Coltrane. A sonoridade eleva feito elevador, mas para outra dimensão. Relaxa. Acalma. Parece esmerilhar a intenção sublime de enlevar até os síndicos mais mal-humorados. O bom hábito a que me afeiçoei nos últimos dias se tornou um grande hospitaleiro. Sempre que chego em casa, é ele que me recebe. Tira minha mochila, meus sapatos, prepara uma iluminação aconchegante, deixa o vento delicioso da sala entrar, acende um incenso e então convida o duo para sua apresentação sempre exclusiva. Os vizinhos (espero) agradecem.

É pra se molhar

Chuva forte e um guarda-chuva frágil. Só resta cantar.

Cumplicidade

No silêncio da sala de espera. Numa troca e outra de paciente. Os olhares, ainda que baixos ou de soslaio, se cruzam. Cúmplices.

O chá que acolhe e encolhe

Do leite saído direto da vaca, da fazenda da minha avó, ao leite de saquinho e de caixinha. Sempre amei leite. E puro mesmo. Tomo com tudo, não só com pão. Gosto com pizza, arroz e feijão, até sopa. Quente ou gelado. Mas há um momento em que a vontade de tomá-lo supera qualquer acompanhamento. Prefiro só ele e bem quente. Essa é a exceção. E aí não é apenas uma vontade sensorial. É um apetite interno. De carinho, amor. O leite quentinho vem como um abraço gostoso na alma. Talvez remeta aos tempos de amamentação (que eu não tive, mas isso é história para um outro texto). Enfim, não sei dizer. Mas de uns tempos pra cá venho sendo cada vez mais simpatizante a práticas alimentares mais saudáveis. Sem entrar no mérito de que leite faz mal ou não, e apesar de eu não ser intolerante a lactose (pelo menos acho que não), leite tem calorias e, como minha vó dizia, tudo que é demais é veneno. Foi aí que, na tentativa de manter esse abraço caloroso na alma, descobri o chá. E com isso, descobri o...

Devendra Banhart

Oscilo sem pudor na minha solidão. Vou de um lado pro outro, puxada ora por uma tristeza sem fim, ora por uma euforia inexplicável. Ao léu. Sou fantoche nas mãos dos meus pensamentos. Minha mente não para. Mas estou consciente. Minha razão e bom-senso me conduzem de alguma maneira para o meu lado mais sóbrio, mesmo sob efeito de álcool. É uma luta infindável. E quando me percebo, estou sem energia. Então lembro que sou energia e não posso perdê-la. Recupero as forças instantaneamente. A mente inquieta, como se debatendo contra correntes que tentam prendê-la, grita, esperneia, tenta de todo modo me levar ao sentido contrário. Começa a tocar Baby, de Devendra Banhart. A euforia boa volta. Adoro essa música. Sinto vontade de dançar. Minha mente se acalma, parece querer me acompanhar. Tudo é mais leve do que parece. Mas a gente, eu e minha mente, a gente esquece.

Temperatura relativa

Fazia calor lá fora, mas dentro de casa era frio. A campanha de agasalho acontecia ali, entre aqueles poucos metros quadrados. Buscava pelo seu calor, e a noite, como de se esperar, era ainda mais fria. Por maior que fosse a quantidade de meias, meus pés continuavam gelados. Dormia encolhida, e seu abraço me aquecia apenas nos sonhos fisiológicos. A estação era gélida e a natureza pedia paciência. Vai passar.

It could happen to you

Chet Baker é desses sentimentos que o coração não explica. Amor? Não sei dizer. Descobri esse disco, o it could happen to you , há pouco mais de um mês, e o que sinto é um estranhamento que de alguma forma me encanta. Definitivamente, eu não gosto da maneira como ele canta. Mas há algo nele, há algo de sublime nele que toca profudamente o meu coração. Tolstói tinha uma relação perturbadora com a música. Era como se ele próprio fosse um instrumento e a música tocada em seu corpo criava ondas vibratórias que movimentavam os cantos mais recônditos do seu ser. Era como se a música tocasse em algum vespeiro dentro dele. Tirava-o do eixo. Já vi gente cantar perfeitamente, com a questão técnica impecável, dentro do padrão considerado correto, mas que não me transmitia absolutamente nada. Nada. Isso me faz lembrar aquele filme Cisne Negro, quando a Nina tenta seduzir o professor a escolhê-la para a protagonista. E então ele rebate com a questão de ela ser tão rígida consigo mesma, de exigir um...

Coração partido

A saudade que dói funda no peito guarda um defeito. A lembrança que não falha, o desalento do momento que já não volta mais.

Saudade aguda

Dói um bocado não ter você ao meu lado. E pra não piorar esse meu lado, deixo você mais pra lá do que pra cá na minha vida. Você lá. Eu aqui. Você querendo longe. Eu querendo perto. Você querendo assim. Eu querendo você.

Presente

Se descêssemos hoje no planeta Terra pela primeira vez na vida, e descêssemos no exato momento em que nos encontramos, do jeito que estamos e somos. Se as paisagens fossem desconhecidas e não soubéssemos os nomes das coisas. Se desconhecêssemos os cheiros, os sabores. Se não soubéssemos que a aspereza de uma rocha pode machucar. Se não fizéssemos ideia do que são os sentimentos e que um coração bate dentro do peito. Se assim fosse, será que seríamos tão sensíveis? Será que tanta coisa pareceria impossível? E que lugar estariam os nossos pensamentos?

Sacolinha

Em maior ou menor grau, todos somos sacolinhas. Estamos sempre com uma a tiracolo, carregando pra lá e pra cá coisinhas que achamos que podem ser necessárias. Um guarda-chuva, vai que chove. Uma garrafinha de água, vai que dá sede. Uma blusa de manga comprida, vai que esfria. E ainda aquele outro tipo de sacolinha, mais subjetivo. Não vou tomar cerveja, vai que ele não gosta. Não vou dar um gole da água que tem no carro dele, vai que ele fica bravo. Não vou dar leves mordidinhas no pescoço dele, vai que machuca os gânglios. Melhor ficar quietinha, nem dar beijos quentes quando deitamos para dormir. Vai que ele não gosta. Não vou levá-la a jantares de amigos, vai que ela não gosta. Não vou me atrasar, vai que ela fica brava. Não vou falar de política, vai que ela não gosta. Não vou falar de filosofia ou espiritualidade, vai que ele não gosta. Vai que isso. Vai que aquilo. É tanta sacolinha que, em maior ou menor grau, a gente acaba sufocando.